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DO LUTO

À LUTA

Por Anna Pontes

A história de Luísa (in memoriam) e Isabella...

Meu nome é Anna e casei no dia 01.09.2012. Engravidei, mesmo me prevenindo, em plena lua de mel. Um susto! Na primeira ultra, mais uma surpresa: gêmeas univitelinas. Na consulta com o especialista em gravidez gemelar, fui informada dos riscos desse tipo de gestação e das chances de desenvolver a STFF (Síndrome de Transfusão Feto-Fetal), que eram assustadoramente altas. Com 18 semanas, foi diagnosticada a síndrome e duas semanas depois ficou confirmada a necessidade de cirurgia, que foi marcada pra 48h depois. Saímos para o Rio de Janeiro às pressas (moro em João Pessoa) e, com 20 semanas, foi feita a fetoscopia. Apesar de ter dado tudo certo, 3 semanas depois, já depois de passado o risco, o coração de Luísa parou.

 

Nunca houve notícia mais surreal e dolorosa de se ouvir. Minha filha estava dentro de mim, mas não estava viva. Quando entramos no carro, lembro de meu marido me abraçar e falar: “Anna, chore tudo o que você quiser hoje e amanhã enxugaremos nossas lágrimas, pois Isabella precisa de você bem”. Achei tão injusto perder uma das minhas filhas e nem ter o direito de sofrer o tempo que eu julgasse necessário… Mas meu marido tinha razão, eu precisava ser forte. As pessoas reagiam com nojo e estranhamento, pelo fato da gravidez ter que prosseguir pelo máximo de tempo possível para que Isabella tivesse chance de sobreviver. Eu só queria elas ali, dentro de mim, pelo tempo que fosse possível. Eu não precisava lidar com aquela perda enquanto ela não fosse real para mim. Eu não me despedi de Luísa, continuei conversando com as minhas duas filhas dentro da barriga.

Quando completamos 26 semanas, entrei em trabalho de parto e, quando Isabella nasceu, foi levada às pressas pra UTI Neo. Metade de mim queria correr atras dela, apesar de não ser fisicamente possível. A outra metade queria ficar e passar pela despedida de Luísa. Apesar da resistência de médicos e enfermeiros, eu vi minha filha, mas só me foi permitido uns 30 segundos e a uma distância de um metro. Não a peguei no colo, não tive tempo de falar nada. Lembro dela pequenininha, enrolada num paninho de maternidade, como um recém-nascido qualquer. Lembro de seu rosto miudinho e escurecido... Mas os detalhes fogem de minha memória a cada dia. Eram os meus únicos segundos com ela e não consegui me despedir. Como ela pesou menos de 500g, não teve direito a velório ou a certidão de natimorto. Minha filha não existiu juridicamente, foi considerada um aborto. Quão injusto é que outras pessoas decidam sobre isso?

Outra coisa que não dá para superar é o fato de que meu marido não foi autorizado a assistir ao parto e não teve sequer os míseros 30 segundos que eu tive. Isabella passou 107 dias na UTI Neo e entre dias críticos e dias melhores, os dias foram passando e eu continuei sem me despedir de Luísa. Após a alta, Isabella saiu com problemas de saúde, havia possibilidade de precisar de um transplante de fígado e vivíamos de médico em médico. Mais uma vez, como eu poderia fraquejar? Como eu poderia parar para sofrer? Eu precisava continuar lutando pela saúde de Isabella.

 

Quando Isabella tinha quase 1 ano que as coisas começaram a normalizar. Sua saúde estava ótima e as coisas finalmente pareciam normais. Eu agora poderia ficar feliz com as conquistas, com os primeiros passos, com finalmente poder sair de casa com ela ou poderia finalmente entrar no luto. Não foi uma decisão pensada, nem consciente, mas me permitir ser feliz. E fui muito feliz por uns meses. Depois veio a dor cortante, como no dia da notícia e aí, finalmente, comecei meu luto. As pessoas já não se importavam, o assunto já era passado e parecia absurdo eu estar sofrendo tanto, quando Isabella finalmente está bem. Desde então, momentos de alegria e de dor extrema se revezam. Isabella sabe da existência da irmã e muitas vezes chora pedindo para abraçar Luísa, o que me corta o coração, e, ao mesmo tempo, que enche de orgulho.

No aniversário de 3 anos de Isabella, fizemos um display com sua foto, do seu  tamanho, algo comum nas festas de aniversário em minha cidade. Durante a festa, Isabella começou a brincar com o display e eu e os fotógrafos tiramos várias fotos. Na hora que tirava as fotos, eu só queria chorar. Parecia que finalmente minhas duas filhas estavam aqui, comigo. Finalmente senti alegria de verdade e uma paz incrível. 

Meu coração não estava mais dividido, eu não me sentia culpada por estar alegre ou por estar triste. Pela primeira vez, “vi “e senti que minhas duas filhas estavam ali, felizes e que eu tb poderia ficar. Aquele dia foi especial, Deus me deu um presente que só Ele sabe o quanto eu precisava e, na verdade, só Ele e eu sabemos o que senti e o que significou. Por mais que eu tente, é impossível de descrever. Daquele dia em diante, houveram momentos tristes, mas na minha memória tem mais que 30 segundos de um corpo sem vida. Tem vida, tem risadas e tem muita alegria de ver Isabella e Luísa brincando. Mesmo que tudo só tenha acontecido na minha cabeça e no meu coração, foi muito real para mim. Hoje, finalmente, a dor é suportável.

Por Anna Pontes

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